Aprender a Voar, Aprender a Soltar: O Desafio de Pais e Filhos na Pré-Adolescência
- Mady Moreira
- 16 de out.
- 8 min de leitura

A Ponte Entre a Infância e o Mundo
A pré-adolescência é uma travessia cheia de descobertas — tanto para os filhos, que começam a buscar autonomia, como para os pais, que aprendem a soltar o colo da infância.
Não é apenas uma fase de crescimento físico e hormonal. É uma etapa de construção de identidade, de busca por pertencimento e de redefinição dos laços familiares.
Por volta dos 9 aos 13 anos, as crianças começam a experimentar o mundo com novas lentes. Querem ter voz, querem escolher, querem sentir-se “donos” da própria vida — mas ainda precisam, mais do que nunca, da segurança emocional dos pais.
E é aí que mora o grande desafio: como dar liberdade sem perder a conexão?
Como orientar sem controlar?
Por trás das atitudes desafiadoras — as respostas atravessadas, o “não quero!”, o “deixa-me!” — existe sempre um pedido silencioso:
“Continua a ser o meu porto seguro enquanto eu aprendo a caminhar sozinho.”
O Que Acontece no Cérebro e no Coração Durante a Pré-Adolescência
A neurociência descreve a pré-adolescência como uma fase de reconstrução interna.
O cérebro, especialmente o córtex pré-frontal (área responsável pelo autocontrolo, tomada de decisão e empatia), passa por uma grande remodelação. As conexões neuronais são reorganizadas — algumas são fortalecidas, outras são “podadas”.
É uma preparação para a adolescência, um ensaio geral para a vida adulta.
Mas, como qualquer ensaio, é desajeitado.
A criança que ontem dormia com o boneco favorito agora quer trancar o quarto. A menina que pedia ajuda para fazer o trabalho de casa agora diz “eu sei!”. O rapaz que adorava passear com os pais agora prefere os amigos.
E tudo isso é normal.
Esses movimentos de afastamento fazem parte do processo natural de individuação — o desenvolvimento de uma identidade própria.
Um exemplo do dia a dia:
Imagina a Inês, de 11 anos. Sempre foi carinhosa, doce e próxima da mãe. De repente, começa a passar horas no quarto, irrita-se com facilidade e responde “nada!” quando perguntam o que se passa.
A mãe sente-se rejeitada, preocupada, com medo de perder a ligação.
Mas o que está a acontecer é uma reorganização emocional: a Inês está a tentar descobrir quem é para além da mãe.
Quando o Amor Precisa de Mudar de Forma
Durante a infância, o amor é presença constante — colo, proteção, rotina.
Na pré-adolescência, o amor precisa de se transformar em espaço, respeito e confiança.
O desafio dos pais é aprender a estar sem invadir.
E isso exige uma nova forma de comunicação — menos ordens, mais diálogo; menos “fazes porque eu digo”, mais “vamos pensar juntos”.
Exemplo prático:
O João, de 12 anos, quer ir ao centro comercial com os amigos. A mãe sente medo, quer proibir. Mas, em vez de dizer “não, é perigoso”, ela decide conversar:— “Percebo que queiras ir. O que achas de combinarmos um horário e eu deixar-te lá, ficando por perto se precisares?”
Nesse momento, o João sente-se ouvido, respeitado — e ao mesmo tempo seguro.
É assim que o amor ganha novas formas: através da confiança construída no equilíbrio entre liberdade e responsabilidade.
Os Pedidos Silenciosos dos Pré-Adolescentes
A pré-adolescência é uma linguagem indireta. Poucas vezes o que é dito é o que realmente se quer dizer.
Atrás do “não quero falar” pode estar “preciso que insistas um pouco”.
Atrás do “deixa-me em paz” pode estar “não me deixes sozinho por completo”.
Os pais precisam de aprender a ouvir o que não é dito, a decifrar os sinais por trás do comportamento.
Alguns pedidos silenciosos comuns:
“Não me compares com ninguém.”
“Não me faças sentir pequeno quando erro.”
“Não fales de mim como se eu não estivesse presente.”
“Não desistas de mim, mesmo quando pareço difícil.”
Essas mensagens invisíveis constroem o alicerce da confiança. Quando o jovem percebe que é amado mesmo nos dias de mau humor, a relação ganha raízes para atravessar as tempestades da adolescência.
Pais Presentes: Firmeza com Afeto
Um dos maiores equívocos modernos é acreditar que ser um “pai presente” é estar fisicamente em casa.
Presença emocional é outra coisa: é estar disponível de corpo, mente e coração.
A pré-adolescência exige uma nova forma de autoridade — menos autoritarismo, mais liderança emocional.
O psicólogo Daniel Siegel chama a isto “presença integradora”: um equilíbrio entre estrutura e empatia.
Pais que mantêm regras claras, mas também escutam e acolhem, ajudam o filho a desenvolver autocontrolo, empatia e senso de responsabilidade.
Exemplo prático:
O Pedro chega a casa irritado, atira a mochila no chão e responde torto ao pai.
Em vez de punir de imediato, o pai respira fundo e diz:
— “Estás com um dia difícil, percebo. Vamos conversar quando te acalmares.”
Mais tarde, o Pedro explica que foi gozado na escola. O pai aproveita o momento para falar sobre autoestima e respeito, sem humilhar nem minimizar.
É este tipo de presença — firme, mas acolhedora — que cria laços sólidos e ensina pelo exemplo.
O Papel dos Limites: Amor Também É Dizer “Não”
Dar liberdade não significa ausência de limites.
Aliás, os limites são o que fazem o jovem sentir-se seguro.
Crianças e pré-adolescentes que crescem com regras claras tendem a desenvolver maior autonomia, porque sabem qual é o “mapa” da casa.
Sem limites, o mundo torna-se imprevisível. Com limites amorosos, o jovem aprende o valor da responsabilidade.
Exemplo prático:
A Sofia, de 10 anos, quer ter conta no TikTok.
Os pais explicam que é uma plataforma com riscos, e combinam: “quando fizeres 13 anos e aprenderes sobre segurança digital, abrimos juntos.
”Eles mantêm o “não”, mas com explicação, com afeto, com propósito.
Essa coerência constrói respeito, mesmo quando há protestos.
Como Reagir a Mudanças de Humor e Conflitos
A instabilidade emocional é típica da pré-adolescência.
O corpo está a mudar, o cérebro está em obras, e a autoestima oscila como um pêndulo.
Por isso, é importante que os pais não interpretem cada explosão emocional como falta de respeito, mas como um pedido de regulação.
Estratégias práticas:
Respira antes de reagir. O tom dos pais dita o clima da casa.
Usa perguntas em vez de acusações. “O que é que te irritou?” é diferente de “porque é que falaste assim comigo?”.
Cria rituais de reconexão. Um passeio juntos, um jantar especial, ou apenas ver um filme lado a lado sem exigir conversa.
Valida as emoções. “Compreendo que estejas frustrado” é uma frase que educa o cérebro emocional.
Com o tempo, o jovem aprende a reconhecer as próprias emoções — e a expressá-las de forma saudável.
A Importância da Escuta Ativa
Escutar o filho não é apenas ouvir o que ele diz — é ouvir com curiosidade, sem pressa de corrigir.
Muitos pais caem na armadilha de responder antes de compreender.
Durante a pré-adolescência, o jovem precisa de sentir que tem voz. Que as suas opiniões são levadas a sério, mesmo quando não são aceites.
Exemplo prático:
Em vez de dizer “isso é uma parvoíce” quando o filho fala de um sonho “impossível”, o pai pode responder:
— “Conta-me mais sobre isso. O que te faz querer isso tanto?”
A escuta ativa abre portas. Cria um espaço emocional seguro, onde o jovem se sente visto e respeitado.
Entre Amigos e Influências: O Novo Centro de Gravidade
Por volta dos 11 ou 12 anos, o grupo de amigos torna-se o espelho onde o jovem se vê.
As opiniões dos colegas passam a ter um peso enorme. A necessidade de aceitação social é intensa — e, muitas vezes, confunde-se com perda de valores familiares.
Mas é importante compreender: o que o filho busca fora é o reflexo da confiança que sente dentro.
Pais que mantêm o diálogo aberto conseguem ajudar o jovem a navegar essa fase sem se perder.
Dica prática:
Em vez de criticar os amigos (“esse teu amigo é má influência”), experimente perguntar:
— “O que é que gostas nele? O que te faz sentir bem nesse grupo?”
Isso ensina o filho a refletir sobre as próprias escolhas, sem se sentir julgado.
Quando o Filho Se Fecha: Como Lidar com o Silêncio
É comum que o pré-adolescente se torne mais reservado.
Mas o silêncio não é sempre afastamento. Às vezes é apenas uma forma de processar as emoções.
Os pais podem manter o canal aberto de forma sutil — pequenos gestos, uma mensagem carinhosa, um bilhete na mochila.
Exemplo:
Uma mãe deixava no estojo do filho um papelinho a dizer:
“Estou por perto se precisares de mim. Adoro-te. ”Ele nunca respondia, mas guardava todos. Anos depois, confessou que aqueles bilhetes eram o seu “porto seguro invisível”.
Presença não é barulho — é constância.
Amadurecer Juntos: O Crescimento dos Pais
A pré-adolescência é também um espelho para os pais.
Muitos percebem que precisam rever o próprio modo de comunicar, lidar com frustrações e aceitar que o controlo total é uma ilusão.
Os filhos crescem — e os pais também são convidados a crescer emocionalmente.
Aprender a soltar é um ato de coragem e de fé.
Reflexão:
Amar um filho é protegê-lo, mas também é confiar que ele saberá usar o que aprendeu.
Educar é orientar, não moldar.
Crescer é deixar espaço para o inesperado.
Quando o amor é maduro, ele não prende — ele acompanha o voo, mesmo à distância.
Pequenas Ações Que Fortalecem o Vínculo na Pré-Adolescência
Rituais familiares — jantar juntos, partilhar o “melhor e o pior do dia”.
Momentos de humor — rir juntos cria pontes onde as palavras falham.
Participar nos interesses do filho — conhecer a música, o jogo ou o influencer de que ele gosta.
Cuidar da própria regulação emocional — pais calmos ensinam calma.
Celebrar pequenas conquistas — boas notas, escolhas éticas, gestos de empatia.
Esses detalhes diários são as “asas invisíveis” que sustentam o voo da relação.
A Beleza da Travessia
Sim, a pré-adolescência pode ser desafiante. Há dias de tensão, portas a bater e silêncios difíceis.
Mas também há risadas inesperadas, confidências no carro, abraços que voltam quando menos se espera.
O amor não se perde — apenas muda de forma.
E, quando os pais resistem à tentação de controlar e escolhem confiar, descobrem algo mágico:
o vínculo não enfraquece — amadurece.
O Amor Que Fica Mesmo Quando o Filho Voa
Soltar não é abandonar.
É acreditar que as raízes que plantaste são fortes o suficiente para sustentar o voo.
E voar não é afastar-se. É o filho a levar consigo o que aprendeu contigo — agora, em forma de asas.
Quando pais e filhos crescem juntos, a pré-adolescência deixa de ser um túnel escuro e transforma-se num campo de aprendizagem mútua.
Um tempo de reencontros, de descobertas, de amor em expansão.
Porque o verdadeiro amor não teme a distância — ele confia no retorno.
O que tem sido mais desafiador para ti nesta fase da pré-adolescência?
Consegues identificar momentos em que precisaste “soltar” para que o teu filho crescesse?
Que estratégias usas para manter o vínculo e a comunicação viva em casa?
FAQ – Perguntas Frequentes Sobre a Pré-Adolescência
1. A pré-adolescência começa a que idade?
Geralmente entre os 9 e os 13 anos, mas pode variar. É quando surgem mudanças hormonais, emocionais e sociais marcantes.
2. É normal o meu filho afastar-se de mim nesta fase?
Sim. O afastamento faz parte do processo de individuação. Ele não está a rejeitar-te — está a descobrir-se.
3. Como posso impor limites sem perder a ligação?
Com firmeza e empatia. Explica o motivo das regras, envolve o jovem nas decisões e mostra coerência.
4. O que fazer quando há explosões emocionais?
Mantém a calma. Espera o momento certo para conversar e ajuda-o a nomear o que sente.
5. Como saber se o comportamento é “normal” ou se preciso procurar ajuda?
Se houver isolamento extremo, tristeza prolongada, automutilação ou queda acentuada no rendimento escolar, é importante procurar apoio psicológico.
























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